“variações infímas podem alterar irreversivelmente o padrão dos acontecimentos” Uma simples mistificação dos economistas americanos, fazendo tábua rasa da distinção entre o Valor de Uso e o Valor de Troca das mercadorias, cientificamente dada a conhecer á Humanidade por Karl Marx em “O Capital” moldou o mundo do pós-guerra tal e qual o conhecemos.

terça-feira, maio 16, 2006

"A Morte de Colombo

Há bem 50 anos que Eduardo Lourenço tenta ensinar-nos a pensar. E a pensarmo-nos. Em vão. Tal como, há cinco séculos, falhámos o encontro com Montaigne, tambem agora falhamos o encontro com o Montaigne que Deus nos deu, de mão beijada. Num Portugal da verborreia, ele é a palavra justa. E justamente a palavra. Livre, heterodoxa, culta, inteligente; síntese de toda a memória e analítica do mais ínfimo pormenor presente. Num Portugal de menos, ele é o pensador demais. O que não admira: num país que, colectivamente, há muito se não pensa e ainda menos se idealiza, ele sobra. Consideramo-lo, respeitamo-lo, emolduramo-no como a um ícone, cuja presença se exige em cada “evento cultural” (como ora, pacoviamente, por cá se diz), mas ele sobra-nos. Sempre. Malgré lui, porque, auto-expatriado embora, nunca Lourenço de Portugal realmente saíu. Direi mesmo que, há meio século, persiste sentado a uma mesa d`A (sua) Brasileira de Coimbra (que já não existe), insistindo em conversar connosco. Militantemente. Por isso o formidável corpus da sua obra não é uma tese, é um incontornável somatório de fragmentos. Por isso o mais magistral dos nossos maîtres à penser, se faz da palavra um magistério, é tudo menos um magister. Por isso também o mais idoso dos nossos pensadores é também o mais moderno (ou pos-moderno) deles todos.
Considerasse a douta Academia Sueca o ensaio como arte maior da Literatura, e Eduardo Lourenço teria sido o nosso primeiro Nobel. Assim não foi. Nem nunca o será. Daqui a 30/40 anos, porém, quando o Portugal que houver se der conta do espantoso legado de Lourenço, o descobrirá então. Demasiado tarde para ele e sobretudo para esse Portugal futuro, herdeiro de um Portugal atávico, sempre atrasado nos quotidianos da vida e nas obras da vida e nas obras da História. É isto, sobre Lourenço, um panegírico? Não, nem ele disso precisa. O que isto é, ou visa ser, é uma chamada de atenção para o seu livro mais recente. Sobre a morte de Colombo ( o da descoberta da América, esclareça-se). Dir-se-ia que, por uma vez, Lourenço se afastara de Portugal para se ir numa navegação de longo curso. Mas não: pensando Colombo, a América (ou a parte dela chamada Latina) e o Brasil, o que, de facto, Lourenço pensa é Portugal e essa Europa a que (embora num quarto com vista para o saguão) agora, de jure, pertencemos.
O livro (mais uma vez) é um conjunto de textos que abarcam mais de quatro décadas de reflexão. Mas, a cada passo, seja qual for a data do artigo, nos deparamos com a intemporalidade de um pensamento arguto. Será que a Europa descobriu a América? Será que Portugal descobriu o Brasil? “Quem descobre quem?” – interroga Lourenço, ignorando as baboseiras mediáticas habituais sobre a matéria, para, logo após, responder que essa descoberta nos tornou “outros”. Pelo que, hoje – diz – nós os Europeus “somos todos índios a título póstumo”. Ponto de partida de um livro com múltiplas chegadas. Num percurso aliciante.

Rodrigues da Silva, JL, sobre “A Morte de Colombo” de Eduardo Lourenço, Edit. Gradiva.

 
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