“variações infímas podem alterar irreversivelmente o padrão dos acontecimentos” Uma simples mistificação dos economistas americanos, fazendo tábua rasa da distinção entre o Valor de Uso e o Valor de Troca das mercadorias, cientificamente dada a conhecer á Humanidade por Karl Marx em “O Capital” moldou o mundo do pós-guerra tal e qual o conhecemos.

domingo, abril 02, 2006

continuação

PARA UM NOVO PARADIGMA MARXIANO


Se, portanto, é o binómio opressão/resistência que gera a essência social da Multidão, é necessário identificar os caracteres da opressão pós-moderna para delinear os caracteres da Multidão e, assim,”propor novamente o projecto político marxiano da luta de classe”.
Para Negri e Hardt a Multidão é, antes de mais, formada por todos quantos estão sujeitos ao controlo do Capital e, portanto, potencialmente adversos a ele. A estrutura da opressão é produzida, hoje, pelo Trabalho pós-moderno, no qual já não são centrais os conceitos de fábrica fordista e classe operária, mas as condições de precariedade, mobilidade, flexibilidade, fusão indistinta entre tempos de trabalho e de não trabalho. Já não investe só os aspectos materiais da produção, mas interessa também as necessidades, as ideias, as emoções, os sentimentos. Ultrapassa a mera relação entre o homem e a máquina, e atinge directamente a vida social, produzindo, através do intercâmbio relacional contínuo, produtos imateriais como o conhecimento, a informação, a comunicação. A estrutura de opressão pós-moderna é, portanto, imaterial e biopolítica. Embora quantitativamente limitado às zonas do globo mais avançadas tecnologicamente, este Trabalho é todavia “predominante em termos qualitativos”, assim como o era o da fábrica no princípio da revolução industrial.
O “roubo marxiano” perpetrado pelo Capital hoje já não é calculável em termos de tempo de trabalho e mais-valia. A produção imaterial difunde-se globalmente e origina novas relações biopolíticas produtivos a uma velocidade e intensidade tal que o Capital não está em condições de exercitar o controlo e a exploração total. Esta produção – cujo elemento material é só um acessório – é feita através das trocas, das comunicações, das interacções e das cooperações contínuas entre os indivíduos, tendo como base o Comum (linguagens, desejos, sentimentos, emoções) e reproduzindo o Comum (novas linguagens, novos desejos, novas emoções, novas necessidades. O Comum não pode, portanto, ser propriedade de um só: é propriedade de todos.
A exploração é qualquer privatização de uma qualquer parceta de valor do Comum, seja essa a vida (animal, vegetal, humana), através das patentes registadas, seja esse o saber, através do copyright. O Capital, paradoxalmente, expande diariamente na escala global o Comum, privatizando, ao mesmo tempo, os lucros derivantes. Negri e Hardt não afirmam que o Comum tenha de ser mantido intangível, mas que o seu usufruto tenha que ser controlado por todos (porque produzindo graças a todos), democraticamente.
Outro legado do trabalho imaterial é o desaparecimento da distinção clara entre empregado e desempregado, podendo os indivíduos passar rapidamente e continuamente de uma condição a outra, não, cessando, todavia, de contribuir à produção social do Comum, nesta perspectiva, a Multidão não deve ser hoje limitada à classe trabalhadora (erro do marximo clássico), mas englobar, com igual dignidade, todos os actores sociais: pobres, migrantes, desempregados, marginais, desviados sexuais, excluídos de todo o género; eles também são produtores do Comum, graças à sua riqueza cultural e às suas práticas de sobrevivência. Essa riqueza antropológica e social da Multidão permite mutações bio-políticas cada vez mais fluidas, capazes de fugir ao controlo do Poder e desestabilizar assim a rede imperial. A fluidez da Multidão é representada pela sua essência de carne viva, que rejeitada a corporização que o Império quer impor-lhe com as suas hierarquias e obediência.
O Comum, pedra angular da análise de Negri e Hardt, nada tem a ver com o conceito de Comunidade, a qual, enquanto corpo social orgânico, deve ser negada. A Multidão, com a sua energia elementar, não se identifica nem nas estruturas tradicionais nem no Estado de Natureza. É, pelo contrario, o produto social “monstruoso”da mesma modernidade e, portanto, subversivo em relação a qualquer ordem constituída.
O controlo do Comum deve ser subtraído tanto ao Privado (Capital) quanto ao Público (Comunidade), pois ambos são corpos que tendem à unidade e à constrição do corpo social em estruturas hierárquicas.

COISA COMUM E “DEMOCRACIA ABSOLUTA”

Para fazer surgir a res communis – produzida e gerida pelas interacções contínuas, democráticas e transparentes dos indivíduos – é necessário destruir o conceito de Soberania, sinonimo, na tradição do pensamento politico, de unidade de comando (seja ele do Rei, do Povo, do Partido ou da Nação).
A democracia da Multidão não assenta na unidade, mas na singularidade. Nesga a si mesma qualquer soberania e pode, portanto, decidir, libertar-se da soberania do Um, qualquer que ele seja, através de práticas de insubordinação e desobediência. Assim fazendo, põe em crise a Soberania, suja existência depende da existência de um sujeito que se lhe submeta. A fuga da soberania deve interessar todos os campos do controle: cultural, material, produtivo, social. A autogestão do Comum através da cooperação e as relações bio-políticas, não origina uma nova hierarquia e autoridade entre as individualidades (assim como fizeram todas as democracias históricas), nem cede à anarquia pois é “Democracia Absoluta”.
No plano do praxis, a subjectividade política da Multidão cria-se na luta. Mesmo articulando-se em diferentes reivindicações, todos os nós da Multidão têm demonstrado compartilhar a crítica às actuais formas de representação político-social: o protesto contra a pobreza e a oposição à guerra civil global.
Frente à encruzilhada entre práticas reformistas e revolucionárias, Negri e Hardt (paladinos da subversão radical da ordem constituídas) consideram o reformismo global uma operação não resolutiva. O reformismo pode fornecer à Multidão um terreno de luta útil para maturar a sua consciência política, mas numa perspectiva complementar - nunca alternativa –à Revolução.
A acção da Multidão deve confrontar-se também com o conceito de Violência. Para os dois autores não há razão para declarar adquirido o facto que à violência do Império seja obrigatório responder com o oposto simétrico da não-violência, a qual pode ser uma escolha política da Multidão, mas não um seu imperativo moral categórico. À Violência do Poder, a Multidão pode (tem o direito de o fazer) querer responder com a violência. A violência da Multidão, todavia, tem que ser exercida só em defesa do conquistado contra a violência perpetrada pelo Poder (nunca para alcançar o conquistável); deve ser democrática, isto é, não criar, por sua necessidade, hierarquias e subordinações. A violência democrática da Multidão não deve procurar a simetria com aquela imperial, nem manter a assimetria existente. O seu papel é impedir a capacidade imperial de colocar em funcionamento o seu aparelho repressivo, por meio de práticas multitudinárias, como podem ser as manifestações carnavalescas ou as greves bio-políticas globais.
A política revolucionária pós-moderna, em definitivo, deve ter plena consciência da essência e da potencialidade da Multidão, para poder reconhecer o momento histórico de ruptura insurreccional contra o Poder imperial, abrindo, assim, o caminho à edificação do “Mundo Novo”.

 
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